terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Boa Nova

Nestes dias que antecedem o nascimento de Jesus, facilmente nos vimos perdidos num mundo cheio de Martas inquietas e perturbadas com as muitas coisas que julgam obrigatórias e que chegam embrulhadas com grandes laços e cartões dizendo, tantas vezes o mesmo para todos, com palavras ocas e frias. 

Mas como sabemos, até Marta se apercebe que apenas e só uma coisa é necessária. 

Se ao olharmos para o presépio, não como um conjunto, lindíssimo, de casinhas e bonecos, mas como o final (que contém em si mesmo o início) de um enorme e inovador percurso iniciado pelo "SIM" de Maria.

Se conseguirmos verdadeiramente deixar cair o medo e as dúvidas, tão pequenos como nós próprios, e sentir a força da jovem grávida que segue apoiada apenas na sua fé, e do jovem que a aceita e com ela caminha de mão dada, cheio de confiança, até ao pequeno estábulo onde o mais importante dos Homens nasceu.

Se virmos com atenção que o filho de Deus, bebé indefeso, chega ao mundo sem luzes, nem laços sumptuosos, nem roupas novas, nem mesa cheia de comida, nem casa aconchegante, que tão mais sentido nos faria. 

Se olharmos o Natal de coração aberto, pronto a receber todo o escândalo e poder da Boa Nova.

Então deixaremos o acessório de lado e maravilhar-nos-emos com este Amor sem fim onde, em Paz, diremos o "SIM" de Maria para que o Natal se dê, tão perto, tão real, tão íntimo, dentro do nosso coração.


Liliana



quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Olhos na estrada

A paisagem é estéril ou frondosa de acordo com os olhos com que escolhemos olhar para ela.

O tom da terra seca impregna-me os olhos, seca-os, faz-me chorar e pinta de ocre tudo o que me rodeia. A areia fina entra-me pela roupa e cola-se-me ao corpo secando-me a pele. Tudo é final de algo não começado, não há vida nem esperança só o vazio de um ventre estéril.

Se fechar os olhos e me imaginar num Colo Paterno, respirar fundo e me deixar inspirar pelo Seu amor, quando abro os olhos do vazio nasceu a esperança, do estéril brotou a criação e os meus olhos deixam de doer e quando choram é de gratidão e alegria por tamanha misericórdia.

Nada aqui é acaso, tudo se encaixa e faz sentido se visto e entendido à luz do Espírito Santo. Nem as quedas o são na verdade, são etapas dum caminho que percorro de mão dada com Cristo. As árvores e flores, os riachos e montanhas vão sendo pintados a cada passo deste meu caminhar. As subidas e descidas são provas da minha capacidade de ver o mundo com os olhos do coração e não me deixar inundar pela areia seca do mundo, sabendo que não estou só, afinal que pai deixa o seu filho às agruras da vida? Muito menos o fará Deus Pai do Céu, que nos ama e nos quer sempre junto dele.

Vejo muitas vezes a terra ocre à minha volta. Perco-me muitas vezes no deserto estéril e seco. Mas assim como o Sol nasce todas as manhãs, a minha fé acaba (começa?) sempre por me levar de novo ao Colo quente e seguro que me acalma e me perdoa com toda a misericórdia.

Neste caminho de regresso a casa vou encontrando intermediários que, à semelhança de Cristo, me dão a mão e me indicam a estrada certa. E quando lá chego, percebo que nunca de lá saíra, os meus olhos é me traíram. 

E assim acrescento mais um tijolo nesta estrada amarela a caminho do arco-íris...

Liliana



"É um cristal indestrutível, duma transparência infinita, duma luminosidade quase insuportável (um grau a mais ter-me-ia aniquilado) e a tender para o azul, um mundo, um outro mundo dum fulgor e duma densidade que atiram o nosso para as sombras frágeis dos sonhos inacabados. É a realidade, é a verdade, vejo-a da margem obscura onde ainda estou retido."
André Frossard - "Deus existe, ei encontrei-o!"

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Acção de Graças

Nesta noite a omnipresença se fez carne, em corpo indefeso de bebé no seio da mãe
Nesta noite a omnipresença se fez olhos de criança, com medos e choros e tantas sombras desconhecidas
Nesta noite a omnipresença se fez voz, ainda trémula e sem pleno conhecimento da sua importância
Nesta noite a omnipresença iniciou um percurso desenhado para nós, para nos mostrar caminho até ao Pai
Nesta noite a omnipresença se fez no homem que nos traria a boa nova e nos ensinaria a fé para chegar a Deus Pai
Nesta noite a omnipresença nos deu um filho que nos tornaria livres do pecado

Nesta noite todos os anos Deus nos recorda que se fez carne, olhos de criança, voz trémula, percurso, homem e filho livre de pecado para que nos salvar

Esta é a noite em que a nossa fé deve renascer
Esta é a noite em que o nosso coração deve deixar que Jesus nasça dentro dentro de nós
Esta é a noite em que devemos, mais uma vez, percorrer o caminho tantas vezes tortuoso para Deus pai

Nesta noite temos, é nos dada mais uma vez a escolha entre abrir o nosso coração a este menino e deixá-lo crescer em nós em fé e perseverança, ou ficarmos apenas de fora do presépio como espectadores

Que hoje e sempre o menino Jesus nos traga a fé e a força para nos mantermos firmes nos seus ensinamentos 

Liliana Lima

 

domingo, 26 de setembro de 2010

Uma noite escura

Foi numa noite escura e quente que me distanciei do caminho dos tijolos amarelos. Sem dar por isso dei comigo perdida no meio duma floresta, sem pontos de referência ou ilhas para aportar. Lancei a âncora na escuridão e aterrei no meio dos meus fantasmas que me cegaram à luz do Senhor. Senti-me só, abandonada como um criança no meio de um comprido corredor escuro. Tive pena de mim e convenci-me que nada nem ninguém me poderia algum dia entender, ajudar ou amar.

Esqueci-me da Tua mão que, desde os primeiros passos me acompanha. Duvidei do Teu imenso e absoluto amor. E orientei a minha bússola pelas constelações das dúvidas humanas.
Sou uma pessoa "naturalmente programada para um final feliz que quando não o consegue encontrar se deixa invadir pelo desespero e opta pelo drama", disseram-me há dias. Fiquei a pensar no que representam - final feliz versus drama, não do ponto de vista racional, mas na minha vida real, o que foram finais felizes e o que acabou em desespero. Na verdade sempre tive uma enorme capacidade de "pintar" o mundo de cor-de-rosa e foi esse dom que me conduziu até aqui. Penso que posso dizer que cada dia que nasce deveria ser encarado por mim como um final feliz porque, no fundo, é a semente de um início, de uma fé renovada. Este "programa" esteve desde sempre inscrito em mim, mesmo que não o visse ou que desconhecesse a sua existência, essa foi claramente a procura de Deus em mim e no mundo, onde o absurdo por onde passei perdeu força ao ser emergido na água do perdão, da aceitação e do amor incondicional.
O facto é que andei tanto tempo em círculos que, mesmo depois de descobrir em mim a minúscula fagulha da enorme fogueira do Amor Divino, nas noites mais escuras, a minha pequenês humana os meus medos e angustias, conseguiram encobrir os sinais de fumo pelos quais me quero orientar. Naquela noite quente e escura, por mais que tentasse projectar finais, não conseguia ver o caminho até eles. Todas as estradas iam dar a um grande sofrimento, a um afastamento de mim quase impossível de suportar. Depois de percorrer vários atalhos que desembocaram em becos sem saída, vi-me cansada, sem forças e sem mapa estrelar. Desisti de lutar, de andar, de continuar. Queria dormir, descansar, dormir e não acordar mais.

O mais impressionante é que aquela noite escura foi, talvez, uma das noites mais bonitas da minha vida. Porque mesmo depois de me abandonar ao desespero, mesmo depois de perder a vontade de viver, mesmo depois de desistir, Deus não largou a minha mão. Foi na noite em que me deixei afogar que entendi verdadeiramente que sou filha de Deus e que os finais felizes são possíveis para mim, porque Ele me "programou" para os encontrar (do lado de cá ou de lá do arco-íris).

Apesar da noite escura e dos "dramas" a que me entreguei o Sol amanheceu e, aos poucos, o meu coração foi reencontrando os tijolos com que continuo a fazer o caminho que me levará até ao Arco-Íris...


Liliana




"Assim apenas como criança acordei,
tão seguro ao confiar
depois de cada medo e de cada noite que passei
para te voltar a comtemplar.
Sei, sempre que o pensamento mede à vez,
a profundidade, a largura, o comprimento:
mas tu és e és e és,
rodeado pela tremura do tempo."


"Livro da vida Monástica" em " O livro de horas"

de Rainer Maria Rilke

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A uma hora estranha, Senhor, me estás a obrigar.

"A uma hora estranha, Senhor, me estás a obrigar." (*) Nestes dias que se desfiguram e, sem aviso prévio, deixam a nu uma imensidão de medos, um exército de fantasmas de outros dias, de outras horas, de outras vidas que por mim passaram.

Estranha hora, Senhor. Esta em que o real se rasga em cenários de papel por onde me perco e me projecto em personagens que me afogam e me levam para longe de mim, para longe de Ti.

Onde estou eu, quando à minha volta uma aguarela se desfaz e uma mistura de cores escorre pelas minhas lágrimas e me inflama os olhos escondendo a luz? Como volto para o santuário onde me sinto segura, ao Teu lado, inteira, com Tua força e confiante, no Teu Amor? Porque me perco do caminho e entro na escuridão duma floresta interna que, julgava já replantada, reconstruída, refeita e ultrapassada?!

"Não tenhas medo", dizem-me vozes amigas em que sei posso confiar. E, no entanto, uma antiga inquietação me persegue e me surpreende num dia de sol. Sei que não estou sozinha, sei que Estás aqui, comigo. Mas o vazio onde cresci reclama, ainda, uma presença viva, quero ir ter contigo por sobre as águas mas tenho, ainda, medo de me afundar. Ó mulher de pouca fé, que tanto te ajoelhas mas ainda não te consegues entregar sem olhar para trás...

A uma hora estranha, Senhor, me estás a obrigar. Mas se é este o caminho que me pedes para atravessar, não terás a Tua razão? Pois que só Tu sabes das histórias que as estrelas escrevem nos céus e dos cânticos que os anjos entoam na noite. E aquilo a que chamamos Fado, quem sabe, mais não é que uma chave para abrir o meu no Teu coração.

Ajoelho-me aos pés da cama. Quem sou eu para Te falar das dores do caminho, dos medos e das mágoas que se atravessam nas noites brancas? Não me quero humilde aprendiz de Teu filho? Como Ele também eu Te digo que preferiria não passar por esta hora, por este deserto, por este desespero, mas se é esta a Tua vontade, com a ajuda do sim de Maria e da força do Espírito Santo, que assim seja! Farei o caminho o melhor que possa, para Contigo encontrar a paz.

Com esforço, pego em mais um tijolo amarelo e acrescento á estrada que, devagar, se vai encaminhando "lá para os lados do Oriente" até ao Arco-Íris.
Liliana


"1.
Talvez pesadas montanhas atravesse
por duros veios, sozinho com um mineral;
estou a tal profundidade, que não há fim que ver pudesse
nem distancia: a proximidade é tudo o que acontece
e toda a proximidade é pedra, afinal.
Não sou ainda entendido em sofrimento,
por isso esta grande escuridão me empequenece;
mas se fores Tu: torna-te pesado, aparece:
que tua inteira mão em mim tenha cumprimento
e eu em ti com o meu relicário sedento.
2.
(...)
A uma hora estranha, Senhor, me estás a obrigar."
Terceiro Livro - O livro da pobreza e da morte
em (*)"O livro de horas" de Rainer Maria Rilke

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Dá-me a Tua mão, Maria.

Todas as palavras me parecem pequenas demais para Ti, Mãe de Jesus.
Como Te falar, se não conheço as orações devidas, as preces habituais, os costumes acertados?
Ajoelho-me, minúscula, perante Ti.
Olho a Tua cara terna, mansa, humilde.
Fecho os olhos e conservo a Tua expressão.
Sinto, apenas, sem palavras nem orações.
Alagam-se-me os olhos ainda fechados.
As lágrimas não descem ao chão, sobem para Ti.
Sei que me ouves, mesmo sem palavras nem orações.
Guardo a Tua tranquilidade que me chega no silêncio da capela vazia.
Oiço a Tua imensa confiança no dia que nasce e na noite que se levanta.
Quem sou eu para Te pedir a mão, Maria?!
E, no entanto, sinto-Te a meu lado, sorrindo.
Respiro fundo como pedindo ao tempo que pare para que eu, minúscula, para sempre no Teu colo, aprenda.
Aperto as mãos com força e peço ao Espírito Santo que me ajude a seguir-Te.
Abro os olhos devagar, como uma criança que espreita para a lareira na manhã de Natal.
Todas as palavras me parecem pequenas demais para Ti, Mãe de Jesus.
Olho-Te, minúscula, e sorrio enquanto Te levantas comigo pela mão.
Alagam-se-me os olhos enquanto saio da capela vazia, mas as lágrimas não caem no chão, Tu apanha-las e com elas regas as flores do caminho.

Liliana

"Santa Maria, Mãe de Deus,
Vós destes ao mundo a luz verdadeira,
Jesus, vosso filho - Filho de Deus.
Entregastes-Vos completamente
ao chamamento de Deus
e assim Vos tornastes fonte
da bondade que brota d'Dele.
Mostrai-nos Jesus.
Guiai-nos para Ele.
Ensinai-nos a conhecê-Lo e amá-Lo,
para podermos também nós
tornar-nos capazes de verdadeiro amo
e de fontes de água viva
no meio de um mundo sequioso.
Amen"
BENTO XVI - "Deus é amor"

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Em descoberta do Perdão

O mundo mudou para mim desde aquela tarde de Junho, há 5 anos. PARA MIM o mundo mudou, ficando aparentemente igual para o resto dos seus habitantes...

A minha descoberta interior, a gratidão, o estado de graça que nasceu naquela tarde e que deu sentido a todo um encadeado de tristes circuntâncias pobremente acompanhadas ao longo dos meus escassos trinta anos, fez-me descobrir algo que até aí só conhecia dos filmes e livros - o perdão. Esta realidade era-me tão distante como a ideia de que existe vida extra-terrestre.

Como a grande maioria de nós, fui avançando pela vida afirmando "eu desculpo", "eu entendo", "eu perdoo", mas no fundo fica-nos sempre o amargo de boca do "mas não esqueço". Este perdão é falso, serve-nos para afagar o ego e acharmo-nos boas pessoas, mas não passa duma mentira politicamente correcta. E o pior é que as marcas que vamos deixando em nós mesmos não saram com os passar dos anos, antes gangrenam e sangram a cada sacudidela da vida.

A experiência do perdão, da aceitação, do amor incondicional chegou mesmo a ser algo de violento. Perceber que no amor de Deus há um colo, um ombro, um abraço, que nos esperam sem condições ou julgamentos, era-me algo tão poderoso como desconhecido e deixou-me completamente desarmada. Seria eu capaz de seguir Cristo nesse caminho de perdão? E se não tivesse capacidade para, desde logo, perdoar a tantos a quem guardava rancor, conseguiria perdoar-me a mim própria?

Esse desafio, ao lado de um passado perturbado a meio caminho da aceitação, iniciou-se em casa, com a minha família, com o meu marido aparentemente desligado de toda esta Boa Nova que desabrochava em mim e das consequências que se começavam a mostrar. A falta de validação daquilo que eu sentia como algo me estava a ser dado em Dom e que, ao mesmo tempo me pedia para ser partilhado, criou uma mágoa muito grande dentro mim e um vazio entre nós os dois. Não conseguia entender o porquê da sua percepção de que eu, no fundo, estava a ser egoísta e essa ideia magoava-me.

Percebi então o quão fácil é dizer que queremos seguir Cristo, mas fazê-lo na realidade do dia-a-dia é uma tentativa, um processo contínuo, que nos exige esforço, concentração e uma disponibilidade interior para nos sabermos humildemente em constante aprendizagem.

Para perdoar o outro tenho, primeiro, de me saber perdoar a mim mesma e, intimamente, saber aceitar o amor incondicional que Deus me oferece. Só então poderei conseguir perdoar os que me rodeiam. E é mais fácil, apesar de tudo, perdoar o que lá vai (até porque "águas passadas não movem moinhos") do que o que se passa aqui e agora e joga com valores tão complexos como Família, Casamento e todas as expectativas que daí vamos criando.

Estamos sempre em processo, mas essa consciência já é, per si, significado de crescimento, de desenvolvimento pessoal. E assim, acrescentei mais uns tijolos na estrada até ao Arco-Íris.

Liliana



"Em cada coração há uma parcela de dom pastoral. Em cada pessoa há dons únicos. Porquê, duvidar tanto dos seus? Porquê, ao comparar-nos com os outros, desejamos ter as capacidades delese vamos até ao ponto de fugir das nossas?

(...)

Seguir o caminho do Evangelho onde se encontra o olhar de Cristo tem um nome: aceitar. Aceitar os seu próprios limites: os da inteligência, os da fé, os das suas capacidades. Aceitar também os seus próprios dons. E então as grandes criações nascem."

"Florescem desertos no coração" - Irmão Roger

Caminhos passados